A personagem Luciana, da novela "Viver a Vida",
está redescobrindo sua sexualidade após o acidente que a deixou tetraplégica. No
capítulo de quinta-feira (15), foi ao ar a tão esperada cena de sexo com seu
namorado, o médico Miguel.
A relação entre Luciana e Miguel confirma algo
sabido entre especialistas e cadeirantes, mas ignorado ou desconhecido do
público em geral: pessoas em cadeiras de rodas também fazem sexo. "Não tenho uma
paciente que não tenha vida sexual. Uma limitação psicológica é muito mais
importante do que uma limitação física na hora de fazer sexo", afirma a médica
Miriam Waligora, coordenadora do programa de atendimento médico à pessoa com
mobilidade reduzida do Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, em São
Paulo.
"A sensibilidade nos órgãos genitais é afetada
nas pessoas com lesão medular, mas a sexualidade envolve todo um contexto. O
corpo muda, outras zonas ficam mais sensíveis", completa o médico Cristiano
Milani, vice-coordenador do Departamento de Atenção Neurológica e
Neurorreabilitação da Academia Brasileira de Neurologia.
É importante destacar que cada pessoa tem um
tipo de lesão e desenvolve um jeito de sentir prazer. "Cada caso é um caso, a
pessoa tem sensibilidade em outras partes. Se não sente em um lugar, sente em
outro", diz Waligora. Isso não chega a ser uma barreira, explica o jornalista
cadeirante da Folha de S. Paulo Jairo Marques , autor do blog
Assim como Você.
"As pessoas são curiosas, cada um acaba descobrindo sua forma de fazer
sexo".
Simone Menegotto, que sofreu um acidente de
carro quando tinha 21 anos e ficou tetraplégica, conta que a sexualidade nunca
foi tabu depois da lesão. Ela reencontrou um ex-namorado logo depois do acidente
e foi com ele sua segunda "primeira vez". "Eu ainda usava traqueotomia e fralda,
mas não fiquei com vergonha. Éramos íntimos".
"A minha sensibilidade ficou 95% normal, sinto
todo corpo desde o dedinho do pé, mas claro que a gente vai descobrindo novas
áreas, onde é mais excitante, posições diferentes", explica Simone, que está
grávida de cinco meses de um menino.

Aldrey Laufer também se
acidentou com 21 anos e também foi um ex-namorado que a fez pensar em sexo
novamente. "Está tudo na cabeça. Não vou falar que é igual antes, temos
limitações de movimentos, mas a gente se adapta", conta. "A gente sente prazer,
sente vontade. A sensibilidade é diferente, sinto um pouco a perna e a região
genital. Mas sou casada há 18 anos, tenho uma vida sexual ativa e uma filha de
15 anos".
Diferenças entre os
sexos
Para Milani, a sexualidade é mais fácil de ser
retomada na mulher porque a sensibilidade na área genital não é tão necessária
quanto para o homem. A mama e pescoço ganham importância como zonas de prazer.
"A mulher é mais voltada para o mental, pode sentir orgasmo com estimulação em
outras partes. O homem com lesão demora mais tempo para desenvolver outras
áreas", explica o médico, que acrescenta que em alguns casos há perda total de
sensibilidade.
A mulher cadeirante tem menos fluídos sexuais e
tem mais chances de ter infecção urinária, fatores que podem atrapalhar o ato
sexual. O sistema reprodutor feminino leva algum tempo, no máximo um ano, para
voltar ao normal. No início, há um choque do organismo, a mulher pode parar de
menstruar por queda hormonal e o útero se contrai. Mas depois o organismo se
readapta e a mulher pode inclusive engravidar, como aconteceu tanto com Simone
quanto com Aldrey.
Nos homens, lesões medulares não comprometem a
fertilidade, mas normalmente impedem o controle da ereção, que ocorre de maneira
espontânea. "A sexualidade para os homens é uma questão importante. Quando ele
perde o controle voluntário da ereção, ele não se sente mais homem. É difícil
ele entender que tem sexualidade", continua.
Nas pessoas com lesão medular, os chamados
arcos-reflexo, movimentos controlados pela medula sem interferência do cérebro,
ficam desgovernados por um tempo, logo após o trauma, já que a medula foi
afetada. Acontecem espasmos de contração automática que podem provocar a ereção
ou a dobra do joelho, por exemplo.

"Como ainda tinha ereção, fazia
sexo nos primeiros meses, mas tinha sensibilidade quase nula na área", conta
Alessandro Fernandes, vítima de um acidente de moto em 2006 que o deixou
paraplégico. "Fui explorando o que funcionava em mim, fiquei com mais
sensibilidade em outras partes, como os mamilos. Hoje, já tenho mais
sensibilidade na hora da penetração".
Em pelo menos 70% dos casos, o homem perde a
sensibilidade para chegar ao orgasmo; e, em mais de 95%, ele não consegue
ejacular voluntariamente, segundo o médico. Para os homens que não conseguem ter
ereções, próteses e medicações são os métodos mais utilizados. "Mas ele não vai
conseguir sentir prazer, é mais o motor, para dar prazer para a parceira e assim
também sentir prazer", relata Milani.
Homens com lesão
medular necessitam de estimulação excessiva para ejacular
Apenas 5% dos homens com lesão medular
conseguem ter ejaculação espontânea. É preciso estimulação excessiva da próstata
e da vesícula seminal com pequenos choques elétricos ou bombas de sucção a
vácuo.
Estes métodos são utilizados principalmente na obtenção de
espermatozoides para uso em inseminação. "Faço estimulação com massageador, mas
ainda não consegui ejacular", conta Alessandro Fernandes, que está tentando
engravidar a namorada Giordana.
O neurologista Cristiano Milani destaca
que o cadeirante e sua companheira podem tentar fazer alguns destes
procedimentos em casa e injetar o esperma na mulher com uma seringa. Porém, ele
lembra que em alguns casos é necessário enriquecer o espermatozoide porque a
produção fica debilitada por não ser constante.